Publicado em 23 de maio de 2009
Em 1923, o filósofo Bertrand Russell escreveu, com razão, sobre as especialidades médicas: “Se você for sucessivamente a dentistas, oculistas, cardiologistas, neurologistas e assim por diante, cada um deles lhe dará conselhos formidáveis para evitar a doença em que são especializados. Caso siga os conselhos de todos, as 24 horas do dia serão exclusivamente dedicadas a cuidar de sua saúde, e não haverá tempo para desfrutá-la.”
Cheguei bem perto de comprovar isso na prática, nos últimos três anos. Acabei chegando à conclusão muito óbvia de que, embora a medicina seja segmentada, o corpo é uma coisa só. O problema é que é muito difícil um especialista enxergar além de sua especialidade.
Durante meu primeiro ano de casado, tive que suportar reclamações muito fortes da minha mulher sobre meu ronco. Para mim, roncar era uma coisa folclórica. Chata, mas inevitável. Ao mesmo tempo, tinha dificuldades em me concentrar durante o dia e ficava com a língua quase na ponta dos pés se tivesse de subir escadas. Meu joelho também doía muito, e eu me estressava com facilidade. Chato pacas ser eu, fala sério.
Fui primeiro a um cardiologista. Ele constatou que a pressão estava mesmo alta e recomendou que eu perdesse peso. Olhei pra ele com uma cara de “sei, então tá…”. Até parece que é fácil. Dei uma mudada nuns hábitos alimentares, especialmente comendo mais saladas, e a pressão normalizou.
Logo a seguir fui tratar do ronco. Era apneia do sono. Durante seis meses, fiz exames para saber a causa e o tratamento mais adequado. O médico sempre dizia que perder peso ajudaria, mas eu olhava pra ele com uma cara de “sei, então tá…”. Fiz duas polissonografias, um exame em que o cidadão dorme no hospital e lhe colocam tantos fios no corpo que o cara fica parecendo o Brainiac.
A partir dali, descobri o melhor jeito de não roncar: passei a usar um aparelho, chamado CPAP, que bombeia ar no meu nariz durante a noite. Meu irmão, quando viu pela primeira vez, perguntou se eu iria dormir em Marte. Mas fez bem até pra ficar ligado de manhã. Desde que comecei a usar o CPAP, acordo disposto e produtivo todo dia.
Resolvido o problema do sono, fui atrás da dor no joelho. Artrose. Adivinha o que o médico me disse? Que o problema era o peso, que fazia força em cima do joelho e me ferrava todo. Ele disse que perder peso ajudaria, mas eu olhei pra ele com uma cara de “sei, então tá…” Tomei o remédio que ele indicou, fiz exercícios com o joelho por dois meses, coloquei um apoio para os pés sob a mesa do computador e agora o joelho dificilmente incomoda.
Se três senhores especializados lhe dizem a mesma coisa, melhor ouvir. Eu precisava perder peso, mas tenho sérios problemas de tempo e disposição pra fazer exercícios. Fui a uma endocrinologista, que recomendou uns remedinhos e uma dieta. Durante três meses segui bem e cheguei a perder 12 quilos. Melhorou tudo, mas um dia acabaria. E acabou justo no feriadão emendado de Natal e Ano Novo, quando fui visitar a família.
Enquanto tomei os remédios, vi que o principal efeito deles era reduzir a ansiedade. Eu comia mais devagar, portanto comia menos. E comecei a observar outras coisas na minha vida, e vi que realmente eu tinha um problema sério de ansiedade.
Tinha lógica, perceba: com a ansiedade eu como rápido, comendo rápido eu como muito (e mal), comendo muito (e mal) eu ganho peso, ganhando peso ferra meu joelho, minha respiração, minha pressão e os ouvidos da patroa. Eu segui isso na direção contrária, mais ou menos o que o Garganta Profunda disse ao Bob Woodward na garagem: o negócio é começar apertando de baixo pra cima.
Só que, por mais que tivesse lógica, precisei ter uma crise de estresse pra procurar ajuda psiquiátrica pra tratar a ansiedade. Quando procurei, encontrei fila pra agendar em São Paulo, os engarrafamentos enlouquecem tanto a gente que tem engarrafamento até pra ir tratar os miolos. Depois de conseguir marcar consulta, comecei um tratamento que está tendo ótimos efeitos até agora. Ando tão tranquilão que recomendo pra todo mundo.
O problema é que eu tenho quase certeza de que ainda vão me arrumar outro problema hierarquicamente superior à ansiedade.
Marcelo Soares, 32, é um cara polivalente e um dos poucos ex-gaúchos de que se tem notícia no mundo. Escreve ocasionalmente para o Los Angeles Times e a Wired, faz um comentário semanal sobre política na MTV, ganhou um prêmio Esso por expor a folha corrida dos deputados e nas horas vagas ainda traduz quadrinhos (Demolidor, Hulk, Novos Vingadores). Também toca violão, mas muito mal e geralmente só Deep Purple. No portal da MTV, mantém o blog E Você com Isso. |
O difícil é começar. Depois tudo começa a melhorar. Saúde, disposição.
Parabéns pelo texto. Poucos têm sua disposição e coragem.
Até mais!
@Annyllinha
Cuidado com isso, Mano Novo.
Vai que eles descobrem que o problema principal é a nerdice!
:-P