O estômago fantasma!

Lucio Luiz
@lucioluiz

Publicado em 08 de julho de 2009

Gordo de Raiz, por Lucio Luiz

Estômago malvado (imagem: montagem tosca)Meia-noite… A escuridão toma conta de toda a cidade, a deixando com uma aparência assustadora… Trovões marcam sua presença ressoando seu rugido feroz e maligno… No meio dessa desalentadora visão, Malaquias Frederico ergue-se violentamente ao som de uma voz lúgubre que o chama:

– Malaquias Frederico?
– Sou eu! Malaquias sou eu!
– Pode entrar, senhor. O doutor o aguarda.

Após aguardar por horas na fila do SUS, Malaquias Frederico finalmente conseguiu sua tão sonhada cirurgia bariátrica. O hospital não era dos melhores e o atendimento estava ocorrendo num horário péssimo, mas finalmente ele se livraria de anos de gordura acumulada em festas, farras gastronômicas e deleites gulosos.

Mal sabia Malaquias Frederico que ele estava a caminho da danação! Afinal, não apenas ele chutou uma macumba sem querer em uma encruzilhada em frente ao hospital, como a sala de cirurgia havia sido construída sobre um antigo cemitério indígena, que também era um portal para a dimensão do submundo, onde reinava Belzebu, que àquela hora estava com uma fome infernal.

* * *

Marcando no calendário que já fazia treze semanas que havia se submetido à cirurgia de redução de estômago, Malaquias Frederico estava muito feliz. Vomitava toda hora, isso é verdade, mas estava em franca recuperação. Cético, não se preocupava em estar em plena sexta-feira 13, acreditava que isso era bobagem. Porém, quando o relógio da cozinha marcou 13 horas e 13 minutos, ele ouviu uma voz gutural e assustadora:

– Nunca mais!

Malaquias Frederico achou que a voz vinha da rua, mas não havia ninguém lá fora. Lembrou que esquecera a televisão ligada, mas lá estava apenas sua cachorrinha de estimação observando a estática da TV. O rapaz desligou a televisão, aliviado por ter se assustado à toa, quando o animal girou a cabeça completamente sobre o corpo, olhou para ele e disse, com uma voz gutural e assustadora:

– Nunca mais!

Com os olhos arregalados, Malaquias Frederico fitou sua cadela, que já voltara às feições normais de bichinho simpático olhando para a estática da TV. Achando que estava maluco, tentou ligar para seu psiquiatra, mas seu celular não estava onde havia deixado. Olhou para o espelho, tentando se recompor, e percebeu uma mancha vermelha na frente da camisa. Levantou-a e viu que a costura de sua operação começava a sangrar ao mesmo tempo em que sua barriga fazia movimentos estranhos, como se algo estivesse crescendo lá dentro. E novamente ouviu uma voz gutural e assustadora:

– Nunca mais!

Malaquias Frederico saiu correndo de casa, com sua barriga borbulhando e um pavor incomensurável de todos aqueles acontecimentos impossíveis. Avistou um policial e, superando o medo de falar com um oficial da Lei brasileiro, implorou por ajuda. Só não podia esperar que, quando o policial virasse em sua direção, tivesse bocas no lugar dos olhos. Ah, claro, e o policial ainda disse com uma voz gutural e assustadora:

– Nunca mais!

O desespero tomou conta de Malaquias Frederico, que correu desesperado no meio da rua e foi imediatamente atropelado por um caminhão de entregas de refrigerante. Ele não faleceu imediatamente, tendo ainda tempo de ver, antes de seu último suspiro, um estômago flutuante de aparência maligna. Essa estranha visão falou em uma voz gutural e assustadora:

– Nunca mais! Nunca mais! Nunca mais!

* * *

Malaquias Frederico acordou coberto de suor. Olhou para os lados e viu que estava na mesa de cirurgia. Os médicos não entenderam como ele conseguiu acordar logo depois de uma anestesia geral que apagaria até um elefante. Ele levantou-se e caminhou ainda desorientado pela sala. Começava a entender que teve apenas um pesadelo, embora não fizesse nenhum sentido.

“Que alívio”, pensou, “Acho que eu não estava preparado para fazer essa cirurgia. Vou festejar minha decisão na lanchonete 24 horas que fica na frente do hospital”.

Malaquias Frederico comeu tanto que teve um ataque cardíaco fulminante. Abrindo os olhos e se descobrindo em pleno Inferno, ele viu a mesma figura de outrora, um estômago flutuante, que se aproximou dele e disse, com uma voz gutural e assustadora:

– Nunca mais!
– OK, agora chega! Que diabos é esse “Nunca mais” que você fala toda hora?
– Nada, não. É que eu tenho transtorno obsessivo-compulsivo e fico falando isso sem parar. Quer fazer um lanche na cozinha do Inferno?
– Tá bom. O que tenho a perder, né? Já estou morto mesmo. O que tem pra hoje?
– Humano assado. Temos um bem gordinho que acabou de chegar.
– Interess… Ei, peraí… NÃÃÃÃÃÃOOOOOO…

* * *

Moral da história: Nunca ouça seu estômago, ele pode lhe matar.

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2 respostas para “O estômago fantasma!”

  1. N. disse:

    kkkkkkkkkk…

    Adorei!!

  2. […] Crônica originalmente publicada em 8 de julho de 2009 no Papo de Gordo. […]

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