Sem receita

Conrad Pichler
@Conrad_Pichler

Publicado em 05 de dezembro de 2009

Purê de Letrinhas, por Conrad Pichler

“Quem pode saber como se tempera o coração?”
Trecho da canção “Sem Receita” de José Miguel Wisnik

Às vezes, a vida é como cozinhar em casa, sozinho, para si. Você tem um número limitado de ingredientes, umas panelas velhas e suas duas mãos… e dali você vai ter que tirar tudo o que pode, todo o sabor; tirar todo o insosso e tornar o caldo um saboroso tempero.

O primeiro e o último a se servir do que você fez é você. Limpando o molho precioso com o pão, retirando o sabor da louça que vai ser lavada por você mesmo – o que pareceria a punição pelo desarranjo de ser sozinho pode ser um exercício de contínua humildade, uma reverência a si mesmo, um “obrigado, minhas duas mãos”.

Ultimamente, com a grana curta, tenho cozinhado muito em casa, achando formas de ser criativo com os mesmos ingredientes de sempre, alguns temperos e especiarias. E pimenta. Experimentei, dia desses, um receita: ligar meu rádio alto e fazer macarrão com curry para acompanhar um frango assado (mineirinho: alho, cebola, cheiro verde, sal e pimenta); foi o encontro de dois mundos exóticos, que mal conversavam, mas falavam muito. O tanto de todos os sabores de uma vez. E o som alto dava a tudo um tom festivo.

Vi que era hora de me meter naquela conversa, decifrar o que vinha de cada um dos lados, entender o que cada um dos sabores entregava uns aos outros. Mas entendi que isso seria impróprio, precisava temperar a ação, encontrar o contraponto, a contra-voz do ruído, o tempero: silêncio, arbitrariamente necessário.

Fui à sala, abri a janela e escutei a rua. Respirei fundo a noite. Como quem foge no meio de uma festa para ouvir o coração pulsar dentro do peito. “Quem pode saber como se tempera o coração?”. No meio do movimento, da multidão e de tudo o mais, como se encontra silêncio, solidão e singularidade? Como se temperam essas sensações?

Respirar fundo, ouvir a rua e pulsação.

Às vezes, viver é como cozinhar para si. Colocar temperos novos, ruidosos, estridentes e um pouco de sal no prato mais comum, aquele conhecido pela casa, servir em uma sem-mesa estrutura precária de comer. E saborear pedindo abrigo em um silêncio. Mas, não se esqueça: lave os pratos de hoje e do dia anterior.

Ao voltar, coloquei sobre o prato uma porção do macarrão cor de açafrão, um pouco do frango avermelhado do calor do forno. E comi silencioso, como quem faz oração para São Sebastião.

Essa coluna não tem receita, use você mesmo os seus ingredientes e temperos – pitadas de especiarias –, faça seu novo prato e coma em silêncio.

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9 respostas para “Sem receita”

  1. Sabrina Mix disse:

    Nossa, que post delicioso! Adorei!

    Beijos e sucesso!!!

  2. Carolina disse:

    Ai, acabei de voltar da padaria. Fiquei com preguiça de fazer café com as próprias mãos e fui tomar lá.
    Mas também cozinho em casa e volta e meia faço algo muito parecido com isso, carê lamen, que é como os japoneses chamam lamen no molho de curry. É só fazer uma sopa meio grossa de curry e tacar o lamen, o udon, o espaguete ou o que você preferir. É ótimo, mas deixa a gente um pouco quentinha, é melhor quando está mais fresco.

  3. Tamara Ka disse:

    Cozinhar,experimentar e saber o que a gente come é Muito legal! Vejam só o contraponto que acabei de encontrar na internet:

    A Justiça britânica confirmou nesta quinta-feira (21/05) que as batatas "Pringles" são realmente batatas, contrariando o que defendia a fabricante Procter & Gamble e pondo fim a longa batalha judicial na qual a empresa tentava se livrar do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que taxa este tipo de produto.

    A multinacional defendia que as populares "Pringles" não podem ser consideradas batatas, já que somente 42% de sua composição é realmente batata (o resto seria gordura e farinha). Por isso, as "Pringles" não deveriam estar na lista de aperitivos e a Procter & Gamble não precisaria pagar o IVA.
    Protec e Gamble não é marca de fralda de nene?

  4. marcelo disse:

    simplesmente sensacional esse blog.. eu como gordo feliz que sou achei uma delicia.. inclusive vou dar um pulinho na cozinha pra bater uma chepa, porque essa materia me deu uma fome lascada, e tenho que manter o nivel de gordura gostosa.

    abraços e beijos pra todos os gordos e gordas confortaveis deste planeta que graças a deus é redondo.

    Marcelo

  5. Mariza Sales disse:

    "Como não sei e não gosto de cozinhar", ao ler este post, fiz um interpretação diferente e concordo com vc Conrad. Cada um cozinha a sua vida ,da sua maneira própria e especial,colocando os tempeiros necessários para torná-la mais saborosa…Parabéns…vc merece…

  6. Camila disse:

    Amigo COnrad… ao ler esse post, lembrei de meus dias morando só, tempo esse que o requeijão estragava porque não conseguia consumi-lo em tempo hábil, tempo em que um pacote de pão de forma (só que integral) durava 1 semana na geladeira, tempo que eu cozinhava pra mim mesma e só pra mim: MACARRÃO… por que é que o macarrão acompanha os solitários? É para nos engordar mais ou para nos sentir mais perto de nossas "mamas", he he he. Eu, como uma boa 3a geração de descendentes italianos, sou fã incondicional do macarrão, seja ele do jeito que for… confesso que estou com muita, muita curiosidade de colocar curry no macarrão… eu nunca pensei nisso!!!!!!!!!!!!!!! Oras!!!!!!!
    Abração e parabéns!

  7. Tamara Ka disse:

    Camila:
    Uma combinação que já existe e que é bem legal é Macarrão de arroz – o Bifum, com curry. É coisa de restaurante japonês, e que pode ser acrescido de camarão, cebolinha, omelete, brócolis e etc.

  8. Camila disse:

    Oi Tamara Ka,
    valeu a dica!
    Bjos

  9. Oi… demorou, mas estou aqui para responder… :D

    Marcelo – D'us é redondo e adora cozinhar… basta ver o calor que anda fazendo… :D

    D. Mariza – obrigado pela resposta, viu? é isso… mais que temperar o de comer, a gente tempera a vida mesmo com o que tem de especial e verdadeiro… abração e obrigado!

    Tamara – Bifum é o que há. Um dos meus prato preferidos da cozinha oriental; mas, eu não coloco cebolinha nem nada no macarrão, porque o frango que acompanhava já tinha tudo isso… era pra dar o equilíbrio… ;)

    Camila – É verdade, o macarrão lembra domingo na casa da nona! Agora, além de ser prático tem mil formas de preparar, por isso não pode faltar na cozinha de solteiros (e famintos de plantão!). Agora, tente fazer o macarrão (seja o de arroz, ou o comum mesmo) com curry, só cuidado com a dose, acompanhando uma carne assada fica muito bom… ;)

    Abração e muito obrigado a todos que comentaram!
    Conrad

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