Gordices em Braga

Lucio Luiz
@lucioluiz

Publicado em 02 de agosto de 2010

Gordo de Raiz, por Lucio Luiz

O lado bom de participar de congressos é a chance de viajar. Afinal, a maioria dos relatos de turismo gastronômico que fiz por aqui foi decorrente de eventos acadêmicos. Estudar um pouquinho, passear um tanto e comer pra caramba, o que poderia ser melhor?

Dessa vez, a viagem foi internacional. Não foi minha primeira gordice extrabrasiliana, mas é a primeira a ser relatada no Papo de Gordo. Portugal. Mais precisamente Braga, uma simpática cidade no norte lusitano e que não costuma figurar entre as primeiras opções dos brasileiros que visitam a terrinha. Tanto que, da primeira vez que eu fui a Portugal, a rapariga da imigração estranhou minha opção pela cidade.

O bom de Braga é que a maioria das coisas podem ser feitas a pé. Não que esse seja meu meio de transporte favorito, ó pá. Caminhando pela cidade é possível ver obras arquitetônicas como a Sé de Braga e o Arco da Porta Nova. São belezas que podemos admirar longamente sem cansar. Meu critério para escolher a hora certa de parar era quando eu começava a mexer num joystick imaginário para fazer o personagem de Assassin’s Creed escalar os prédios para atualizar o mapa da cidade. A imaginação de um nerd fica exageradamente fértil em cidades milenares.

Para quem gosta de construções históricas, não falta opção em Braga. É muito legal virar uma esquina e dar de cara com uma torre do século 12 (ou algo por aí). Depois, caminhar mais um pouquinho e ver restos da passagem dos romanos por Bracara Augusta. Então, andar uns poucos metros e visitar uma cozinha do século 17. E, finalmente, olhar pra cima e ver várias roupas do século 21 penduradas pra secar em varais do século 20. Se isso não é História, eu não sei o que seria.

Vale também o registro de que, ao contrário do que muitos brasileiros creem, não é difícil entender o que os portugueses dizem. Nossos irmãos lusitanos falam muito rápido, engolem as vogais e usam “tu” o tempo todo, mas é só acostumar o ouvido para compreender corretamente. Claro que só com muita prática para sacar que “Bilabérde” é “Vila Verde”, mas você chega lá.

Nessa viagem, só tive problemas de entendimento quando um taxista me disse algo como “Vasbr’gp’rk” e praticamente me deu uma bronca porque não entendi. Tirando isso, bater papo com os portugueses do norte é uma boa porta de entrada pra quem quer conversar com os lisboetas, esses sim com um sotaque mais difícil para quem vem da colônia.

Como minha visita a Braga era essencialmente acadêmica, minha primeira experiência gastronômica foi no bandejão da Universidade do Minho. Minha triste constatação: bandejão da faculdade é igual em qualquer lugar do mundo. O frango, por exemplo, era enorme, mas creio que o fornecedor perguntou se eles preferiam tamanho ou sabor. Além disso, regulavam comida. Ou você pegava bolinho ou pegava fruta. Toda hora alguém falava “Sorry, this or this”, deixando dezenas de professores estrangeiros tristes.

Por sinal, havia tanto gringo por lá que gastei praticamente todo meu inglês (que já não é lá grandes coisas). Meu maior momento de glória foi quando expliquei para um grupo de professores nórdicos as razões históricas e culturais para os argentinos serem escrotos. O único problema foi explicar o que seria “escroto” de uma maneira polida e academicamente aceitável.

Para compensar o bandejão, a universidade espalhou dezenas de mesinhas cheias de pães e doces para todos os congressistas. Os portugueses são ótimos no quesito pães e doces. A única coisa que o turista brasuca precisa ficar atento é que o lugar certo para encontrar doces são as pastelarias, já que o termo “pastel” é usado com essa conotação por lá (em teoria, no Brasil também, mas a gente associa mais ao pastel frito de feira, com 95% de vento e 5% de carne).

O gordinho que aportar em terras portuguesas também tem que ficar esperto para não pedir sanduíche de presunto (que é alguma coisa crua muito estranha), mas de fiambre (esse, sim, “nosso” presunto). Também penei pra lembrar que canudo era palhinha e que misto-quente era tosta, o que fez com que me olhassem como um ET numa lanchonete. Nada tão ruim quanto pedir um sorvete e suporem que eu queria café ao invés de um gelado.

Mas a melhor opção para quem quer caprichar na alimentação é comer uma francesinha (no bom sentido, claro). Essa maravilha da culinária portuguesa é, essencialmente, um pão de forma com bife, linguiça, chouriço e presunto, coberto com queijo e ovo frito e encharcado com um molho fabuloso. Como se já não fosse suficientemente gorduroso, ainda acompanha fritas. Fan-tás-ti-co! Tão bom que nem lembrei de fotografar, lamento.

Em resumo, não consegui fazer tanto turismo gastronômico quanto eu gostaria por dois motivos básicos: Não tive muito tempo por causa do estresse de preparar minhas apresentações para o congresso e, além disso, tive que viajar sem minha noiva, que normalmente é quem pesquisa sobre restaurantes (eu sou um gordo preguiçoso, confesso).

E antes que alguém pergunte pelas ausências gastronômicas óbvias: Não gosto de bacalhau e não bebo vinho. Sei que isso corta 90% de minhas possibilidades culinárias em terras lusitanas, mas ninguém é perfeito, oras.

Busquei compensar essa falha comprando docinhos portugueses em todas as pastelarias da cidade (duas ou três mil, suponho, já que havia dezenas delas a cada esquina). Porém, como a legislação brasileira impede o transporte internacional de alimentos, fui obrigado a comer tudo sozinho antes de voltar ao Brasil. Nunca foi tão bom cumprir a Lei.

—–

PS: Para quem estava curioso sobre meu voo de volta, depois da trágica aventura na ida, tenho o orgulho de informar dessa vez eu fui o gordo alfa. Incomodei tanto a coroa gordinha que sentou ao meu lado que, antes mesmo do avião decolar, ela já havia se mudado. Com isso, viajei sem nenhum “vizinho” num voo quase lotado. Aprendi minha lição!

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4 respostas para “Gordices em Braga”

  1. sou um Vila Verdense ( de Bilaberde ) e achei este artigo o máximo. Uma visão muito interessante relatada aqui, sobre a nossa região e gastronomia. Excelente!!

    Almeida Macedo

  2. Elisabete Ferradini disse:

    Olá!
    Ainda bem que gostou de visitar a minha cidade… Só é pena que não tenha podido experimentar a comida tradicional, de comer e chorar por mais! Quanto ao nosso Português… provavelmente acontecer-nos-ia o mesmo quando pedissemos o delicioso presunto e nos dessem fiambre… Presunto é carne da perna de porco fumada (não propriamente crua)e de produção caseira, tradicional. Fiambre é feito em fábricas, juntando carnes num processo mais artificial…por isso é que o presunto é muito mais caro! Também sou fã de francesinhas, mas há tanto para além delas… Um abraço,
    Elisabete

  3. Lucio Luiz disse:

    Quando eu tiver outra oportunidade de visitar Braga, pode ter certeza que vou explorar melhor a culinária local :)

  4. […] Crônica originalmente publicada em 2 de agosto de 2010 no Papo de Gordo. […]

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