Um minuto de comercial

Lucio Luiz
@lucioluiz

Publicado em 24 de março de 2011

Gordo de Raiz, por Lucio Luiz

Local: Sede da Associação de Defesa dos Gordos, sala de reuniões.
Pauta: A nova campanha publicitária da instituição.

– Boa tarde, senhores. Estou aqui representando a Agência de Publicidade Criativa Pacas. De acordo com o briefing que vocês nos passaram, trouxemos uma ideia para uma propaganda de TV apresentando o trabalho da associação.
– Ótimo. Estamos ansiosos para ajudar a acabar com a discriminação contra os gordos.
– A propaganda começa com uma família de pessoas obesas…
– Por que todos são obesos?
– Er… Para mostrar que todos podem ser felizes gordos…
– Então você acha que gordos não podem conviver com magros? Nós não defendemos segregação, rapaz! Isso seria apologia à obesidade!
– Bom… Acho que podemos então ter uma família com, sei lá, a esposa magra…
– Quer dizer que uma mulher gorda não consegue casar? Tem que ser magra pra ser feliz? Isso é preconceito!
– Não… Não foi isso que eu quis dizer… A gente muda. O marido magro e a esposa gorda.
– Isso pode dar a entender que ele só consegue ser capaz de sustentar a família por ser magro, que absurdo!
– Então o casal pode ser gordo e os filhos magros…
– Vai dar a impressão de que o casal tem vergonha de ser gordo e por isso obriga as crianças a fazer regime!
– OK, crianças gordas, então.
– A obesidade infantil é um problema sério, meu filho! Não queremos que as pessoas pensem que não entendemos os riscos de saúde do sobrepeso nas crianças!
– Pode ser um casal sem filhos…
– Você está querendo dizer que gordo não transa?
– Olha… Vamos resolver a questão do peso da família depois, tudo bem? Posso continuar a apresentar a proposta?
– Claro. Prossiga.
– Essa família… que ainda vamos definir como será composta… está na cozinha…
– Por que na cozinha? Você quer dizer que gordos só sabem comer?
– Não… É que comerciais com família normalmente se passam na cozinha para dar familiaridade para quem assiste…
– Nada de cozinha!
– Tá bom… Na sala de estar…
– Até já sei o que você vai dizer: Sentados no sofá comendo salgadinhos! Esteretótipo horrível!
– Pode ser no quintal, então. Pronto. Eles estão no quintal. As crianças estão brincando…
– As crianças são gordas ou magras, afinal?
– Hein? Qual a diferença?
– Ver crianças felizes brincando dá uma sensação de que tudo ali está certo. Portanto, se elas forem magras, é preconceito contra os gordos. Mas se forem gordas, é apologia à obesidade.
– Er… Colocamos uma gorda e uma magra. Pode ser?
– Posso conviver com isso. E os pais?
– Certo… Os pais estão brincando junto com as crianças…
– O pai está de camisa?
– Como assim? Isso é relevante?
– Gordos costumam suar muito quando fazem exercício, mas se você mostrá-lo cheio de suor será preconceito.
– Então ele pode ficar sem suor nenhum.
– Aí é apologia.
– Como assim?
– Estaríamos falsificando uma característica física para defender os gordos, fazendo então apologia à obesidade.
– Ele pode ficar sem camisa.
– Aí vão fazer piadas por conta do gordo sem camisa reforçando o preconceito.
– Então o pai pode ser magro!
– Quer dizer que só magro pode ficar sem camisa na TV?
– E se colocarmos o gordo sem camisa e a esposa dizendo que ele é lindo?
– Aí é apologia!
– Mas… Mas… Sabe de uma coisa? Eu gostava mais quando os gordos eram divertidos e não ficavam cheios de neurose! Desisto! Agora eu só vou aceitar trabalho dos Vigilantes do Peso! Adeus!
– Credo, que sujeito esquentadinho! Bah, vamos esquecer essa propaganda e encher a pança na lanchonete da esquina! Mas sem chamar muita atenção de quem passa na rua pra não parecer que estamos fazendo apologia, OK? Ou será que agir assim seria preconceito? Cacete… Melhor pedir no delivery!

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7 respostas para “Um minuto de comercial”

  1. @Gustavopereira disse:

    Muito bom o texto. :D

  2. erika disse:

    nossa sou gorda e me senti ofendida com essa historia que li que coisa horrivel

    • Edmilson disse:

      Erika o texto me pareceu falar exatamente disto, não só de gordos ou magros e sim da dificuldade hoje em dia de fazer ou falar qualquer coisa pois tudo pode ser entendido como apologia ou preconceito, até mesmo escolher a cor da camisa. Estamos em tempos difíceis em que a liberdade pouco existe pois as pessoas tem medo de falar o que pensam e serem interpretadas como preconceituosas, e "de outro lado" pessoas com o pensamento como o seu, que se sentem ofendidas mesmo quando não há preconceito no texto. O texto me pareceu lidar com a técnica muito usada hoje em dia: Finja concordar com o que for "politicamente correto" e faça o que achar realmente correto escondido!

  3. Caracas, Rí no trabalho lendo isso! Muito bom o texto…

    Uma pena a Erika (Assima) não ter entendido o humor do PdG, mas recomendo que passe a ler mais o blog e ouvir o podcast para entender melhor a "filosofia" que o Papo de Gordo transmite!

    Opa, pera ai… Isso é apologia, não pode. Esquece o que eu falei!

  4. Legal, e olha que trocando algumas palavras o texto pode ser usado com todas as "minorias"…

  5. […] Crônica originalmente publicada em 24 de março de 2011 no Papo de Gordo. […]

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