Publicado em 10 de dezembro de 2011
Ano 2041. Véspera da votação no Congresso Nacional pela descriminalização do açúcar. Estúdio de um programa de debates, onde dois especialistas discutem se o açúcar deve ou não voltar a ser liberado.
– Bom dia, telespectadores. Amanhã será votado o Projeto de Lei que pretende tornar legal a venda e o consumo de açúcar. Para discutir esse assunto tão polêmico, trouxemos o professor Gustavo Jacinto, do departamento de filosofia da Universidade de São Paulo do Sul, que é a favor da descriminalização e coordena a Marcha do Açúcar.
– Bom dia.
– Trouxemos também o médico Vinícius Felício, consultor do quadro “Brasil sem Chinelo de Dedo”, do Fantástico, no qual o doutor Drauzio Varela incentiva as pessoas a usarem calçados mais saudáveis, como tênis e sapato.
– Bom dia.
– Gustavo, o açúcar se tornou um produto ilegal no Brasil há pouco mais de vinte anos, quando foi comprovado que ele viciava mais que a então droga ilícita maconha. A proibição seguiu uma tendência mundial iniciada nos Estados Unidos, primeiro país a criminalizar a produção e consumo do açúcar. Por que você acha que o Congresso deveria voltar a legalizá-lo?
– Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar o Congresso, em especial ao presidente da Câmara, o deputado Tiririca, que teve coragem de levar a votação o Projeto de Lei da deputada Florentina de Jesus. Em segundo lugar, gostaria de deixar claro que nossa luta em defesa do açúcar é voltada à liberdade individual. Ninguém tem o direito de dizer que eu posso ou não consumir essa ou aquela especiaria.
– Contudo, diversos estudos comprovam que o açúcar faz mal para a saúde, gerando diabetes e até a obesidade. Você não se preocupa com o risco de uma nova epidemia de obesidade, doença que foi finalmente extinta há dez anos após a implantação do programa governamental Anorexia Para Todos?
– A humanidade consumiu açúcar por séculos. Essas pesquisas são exageradas. Sem contar que o plantio da cana-de-açúcar foi a mola mestra do desenvolvimento do Brasil, até que a onda revisionista chegou aos livros didáticos e “descobriram” que nunca tivemos uma cultura açucareira e cafeeira, mas sim uma forte produção de alface e derivados. Isso é ridículo!
– Mas essa revisão é apoiada por historiadores importantes…
– Pura propaganda para justificar o ataque ao açúcar! Poxa, com a cana-de-açúcar não produzimos apenas açúcar, mas também combustível e até calçados! Eu sei que a produção de vestimentas hoje é dominada pelo cânhamo, mas a cana-de-açúcar teria espaço! É um absurdo o que estão fazendo!
– Vinícius, qual a sua opinião sobre isso?
– Eu acho que absurdo é o que meu distinto colega de bancada está dizendo. Já foi comprovado que o açúcar abre caminho para drogas mais pesadas, como o sal e até mesmo o café! Há até quem misture café com açúcar, provocando insônia e agitação! Não tem como, racionalmente, defender esse tipo de conduta!
– Então o senhor acredita que o açúcar deva continuar proibido?
– Naturalmente. Os traficantes, como o famoso Faustinho Beira-Mar, não abandonarão a criminalidade se deixarem de vender açúcar. Eles vão simplesmente passar a distribuir outros entorpecentes. Um estudo do maior jornal do país, a Gazeta Tocantinense, mostra que traficantes estão distribuindo pirulitos nas portas das escolas para começar a viciar as crianças desde cedo! Pessoas assim não têm escrúpulos!
– E quanto à acusação de que o açúcar já foi importante para o Brasil?
– Falácia! Isso foi uma falsa informação que existia na época da República. Desde a implantação da Nova Monarquia, com nosso digníssimo imperador Luiz I, os historiadores estão corrigindo equívocos que se perpetuaram por pura ignorância. Por isso, afirmo com clareza: O açúcar não deve jamais ser legalizado! Ele é uma droga e deve ser tratado como tal! Inclusive, se eu fosse o colega, ficaria preocupado em defender tanto o açúcar. Você pode ser acusado de fazer apologia e ser preso. Noto, inclusive, uma pequena barriguinha, que pode ser fruto do uso do entorpecente.
– Não me ofenda! Isso é músculo mal trabalhado!
– Está nervoso? Isso pode ser sinal de açúcar no sangue.
– E se for? O que você tem a ver com quais substâncias eu uso ou deixo de usar?
– Então você confessa que fez uso de açúcar? É com esse tipo de gente que eu tenho que debater? Uma conversa racional não funciona com açuqueiros.
– Do que você me chamou?
– Açuqueiro! É isso que você é! Não passa de um açuqueiro financiador do crime!
– E você, que é um reacionário? Açúcar é um produto natural, não tem como fazer mal! Legalize já!
– Viciado!
– Nazista!
– Pançudo!
– Agora pegou pesado! Vou te matar, seu…
– Er… Obrigado, telespectadores, vamos encerrar nosso debate por aqui. Espero que vocês tenham… aprendido um pouco mais sobre… ai, meu Deus, eles vão se matar! Alguém separa eles aqui! Er… Obrigado por sua audiência e nos despedimos. Esse programa tem o patrocínio de Maconha Cinelândia. “Isto é Cinelândia, o sucesso”. À venda nas melhores tabacarias. No próximo programa, teremos um debate sobre o banimento da propaganda de livros de receitas do rádio e da TV. Será que isso realmente vai diminiur o consumo de comida? Nos vemos semana que vem.
Ri demais,Sou um açuqueiro convicto kkk.
Excelente, poderia ser um curta ou um ep especial de Futurama.
Essas referências históricas do texto com nomes fictícios todos misturados deu um pouco de medo: Tiririca, Luiz I…
Por via das dúvidas, vou começar a estocar açúcar em casa!
Aliás essa “Maconha Cinelândia” vai precisar de um selo “sugar free” na embalagem, hein?
Muito bom, “tio” Lúcio! Parabéns!
cada uma que aparece…. por q na enfatizar mas e mas mas diga não as drogas, kkkkkk AÇUCAR raxei…agora so falta ter o celo do INMETRO NOS papelote de droga kkkkkkkk
Proibir não acredito, mas que daqui a pouco vão começar a sobretaxar o sal e o açucar isso não está muito longe de acontecer. O governo já está obrigando as empresas a diminuirem o sal dos produtos industrializados.
[…] Crônica originalmente publicada em 10 de dezembro de 2011 no Papo de Gordo. […]