Um clichê de Ano Novo

Lucio Luiz
@lucioluiz

Publicado em 28 de dezembro de 2011

Eu não tenho nome. Se quiser, pode me chamar de fantasma dos Natais futuros. Normalmente, eu apareço para alguma pessoa em 24 de dezembro, a levo para o futuro e mostro seu sepultamento, onde não há ninguém. É o passo final para que essa pessoa perceba como é desprezível e volte a gostar do Natal. Ou só fique deprimida, isso não é ciência exata. Só que, esse ano, o homem que eu deveria buscar sumiu, assim como meus colegas fantasmas do passado e do presente. E ninguém me avisou nada!

Eu fiquei tão p#%*, mas tão p#%*, que resolvi jogar tudo pro alto! Sabe… Estou nesse trabalho desde 1843. Tenho que me vestir com um capuz preto e fazer o estio caladão. Isso é muito chato! Fora a dificuldade de manter meu peso esquelético, obrigatório para a função. É horrível passar todo Natal sem poder comer uma rabanadinha sequer e ainda pensarem que estou fazendo cosplay da Dona Morte.

Já que eu ainda estava no mundo dos vivos e já tinha mesmo perdido o Natal, resolvi ficar mais uns dias para aproveitar o Ano Novo. Se não dava mais tempo de comer rabanada e peru, pelo menos eu me fartaria com porco e champanhe. Com meus poderes, viajei no tempo para alguns dias no futuro e apareci no Cemitério do Caju no dia 31 de dezembro. Eu até preferia já cair em Copacabana, mas só consigo aparecer em cemitérios, fazer o quê?

Tive um pouco de trabalho para conseguir um táxi. Talvez fossem minhas vestimentas de cavaleiro do apocalipse, não sei ao certo. Depois de algumas horas, um taxista finalmente parou. Pedi para ser levado para Copacabana e obtive como resposta um sorriso bem feliz. O rapaz me explicou que seria um tanto complicado chegar à praia no dia do réveillon, mas que ele poderia fazer isso por duzentos reais. Para resolver a questão financeira, o levei para seu sepultamento no futuro, onde ele estava sozinho por ser tão avarento. Quando voltamos, o moço ficou tão deprimido que acabou abandonando o táxi e saiu correndo e chorando por aí. Perdi minha carona.

Resolvi ir a pé até a estação de metrô mais próxima. Uma hora de caminhada, uma catraca pulada (não tem bolso nessa minha roupa sinistra) e algumas pessoas perguntando se não estava meio cedo para o Carnaval. Levei cada uma delas para seu sepultamento no futuro, onde não havia ninguém, já que ninguém gosta de chatos metidos a piadistas. Povo meio solitário… mas isso não vem ao caso. O ponto é que finalmente cheguei em Copacabana para ver os fogos. Aquilo estava muito cheio de gente. Tentei arrumar um cantinho na praia, mas nem conseguia ver a areia. Na verdade, tive a sensação de que, se levantasse as pernas, não cairia de tão apertado que aquilo estava.

Ainda estava um tanto cedo para os fogos, mas uns shows estavam acontecendo por lá. Achei bastante interessante e resolvi curtir a música. Pena que eu não ouvia absolutamente nada no meio daquela confusão. Decidi, então, abrir caminho em meio à multidão e ir para uma festinha num daqueles apartamentos da orla. Não conhecia ninguém, mas isso não seria empecilho para mim. Foi só levar o porteiro de um prédio para seu sepultamento no futuro, onde ele viu que não havia ninguém porque ele havia fugido da esposa e dos vinte e sete filhos que ficaram no Sertão e ninguém sabia onde ele estava. Na volta, ele disse que ia pegar o primeiro ônibus de volta para sua terra e largou o portão aberto.

Escolhi aleatoriamente um apartamento que me parecia bem animado. Bati à porta e fui recepcionado por uma cinquentona com cabelos pintados de louro e uma maquiagem tão pesada que parecia que ela passava o reboco sobre a pintura anterior para economizar na tinta. Ela achou meu visual meio estranho, mas estava tão bâbada que me deixou entrar. Na verdade, todos os convidados que se acotovelavam no apartamento estavam com champanhe até o talo. Como não sou de julgar os outros (a não ser aqueles cujo sepultamento blablabla), fui me servir de lentilha.

Só que desisti da festa em pouco tempo. Além do champanhe ser paraguaio, praticamente não tinha comida. Uns gordinhos que estavam no canto já haviam acabado com tudo o que havia de sólido para se comer. Cheguei a visitar outros dois apartamentos, mas a semelhança era incrível. Minha esperança era encontrar alguma comida sobrando àquela altura, mas acho que existe um acordo de cavalheiros para dividirem os gordinhos em partes iguais pelas festas e só restava ficar bêbado. Como queria passar meu primeiro réveillon sóbrio para lembrar de tudo depois, voltei à praia para ver os fogos.

Nessa hora que gastei no prédio, o número de pessoas na rua parecia ter triplicado. Comecei a empurrar todo mundo para chegar à areia, mas estava complicado. Cheguei no máximo à pista de bicicletas do calçadão, mas não conseguia ver nada direito porque um maluco com um rastafari gigante parou na minha frente e não saía de jeito nenhum. Resolvi levá-lo para seu sepultamento no futuro, onde não havia ninguém porque o cara, afinal, era maluco, e ele voltou à sanidade e sentou para chorar. Maravilha, consegui ver os fogos. Quer dizer, conseguiria, se não houvesse uma nuvem de fumaça na frente deles.

Com fome e decepcionado por não ter visto o prometido espetáculo, resolvi fazer uma última coisa para poder curtir pelo menos um pouquinho o réveillon: fui dar pulinhos na água. Não sei muito bem o sentido disso, mas eu quis fazer pelo menos uma coisa direito em minha primeira comemoração de Ano Novo. Só que, ao dar meu segundo salto, pisei no casco de uma garrafa quebrada de cachaça. Com a dor, tropecei e caí no meio de dezenas de macumbas. Desisti de tudo. Estava tão cansado, que acabei cochilando por lá mesmo. Ao acordar, haviam roubado minha roupa. Para manter um mínimo de dignidade, mudei para minha forma invisível e tropecei em alguns bêbados babando e pisei em um pouco de cocô de cachorro.

Esse foi meu primeiro réveillon. E o último! Definitiamente, prefiro ficar pelo resto da eternidade levando pessoas para sepultamentos onde não há ninguém do que encarar mais uma festa de Ano Novo. Por falar nisso, tenho algo para lhe mostrar… Por favor, me acompanhe.

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3 respostas para “Um clichê de Ano Novo”

  1. Ana Schmitz disse:

    hauahauahau
    só pra rir Tio Lucio

    ;)

  2. Rafaela Tavares disse:

    Você, como sempre, fantástico! Parabéns!!!
    Costumo ler seus textos no trabalho e acabo sempre rindo muito enquanto o resto do pessoal continua gritando e correndo de um lado para o outro do escritório. Tento disfarçar, mas raramente consigo, afinal gordo aparece demais. Então, todo mundo me vê chorando de rir com a cara grudada no monitor. Any way, gosto demais dos seus textos! Você tem uma grande fã! Grande mesmo! (Piadinha odiosa!!!) Rsrsrs…

  3. […] Crônica originalmente publicada em 28 de dezembro de 2011 no Papo de Gordo. […]

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