Publicado em 20 de novembro de 2012
– Pai, precisamos conversar.
– Fala, filhão.
– Eu… preciso contar um coisa para o senhor… mas não sei se devo…
– Você sabe que pode contar tudo para seu pai, Júnior. Sou mais um amigo do que pai.
– É que eu… bom… não posso mais esconder isso do senhor… Eu sou gordo!
– Hahaha! Boa pegadinha! Por um minuto eu realmente achei que você estava falando sério!
– Não, pai, não é pegadinha. Eu sou gordo.
– Como assim, Júnior? Eu enxergo muito bem e estou vendo que você é magro. De onde você tirou essa loucura?
– Eu sei que sou magro por fora, pai, mas por dentro eu sou gordo. Não consigo mais fingir. Eu adoro hambúrguer, churrasco, refrigerante…
– Mas, se você comer essas coisas, vai engordar!
– Exato, pai. Não vou mais me preocupar em me manter magro. Vou continuar cuidando da saúde, mas não vou me preocupar em evitar a barriga a qualquer custo.
– Você só tem 16 anos! Não tem condições de tomar uma decisão dessas!
– Eu não posso fingir ser algo que não sou!
– São esses seus amigos que ficam colocando bobagens na sua cabeça, não é? Eu disse para a sua mãe que nós devíamos conhecer melhor as pessoas com quem você anda, mas ela tem essa mania de achar que vocês são maduros e coisa e tal!
– Eu sabia que o senhor ia reagir assim!
– Sua mãe já sabe? Nem precisa responder, é claro que ela sabe!
– Ela entendeu melhor que o senhor!
– Sua mãe é uma inconsequente! Ai, meu Deus, o que o os meus amigos da academia vão falar?
– O senhor se preocupa mais com os outros do que comigo!
– Claro que não, meu filho. Eu me preocupo contigo, de verdade. Olha… vou preparar um franguinho grelhado sem gordura pra você ver que dá pra ser feliz com uma alimentação saudável.
– Eu prefiro um galeto de padaria. Melhor ainda, eu o que eu queria mesmo é uma picanha mal passada cheia de gordura!
– Não fale essas obscenidades para seu pai! Isso não é coisa de gente direita!
– E tem mais! Eu odeio verduras!
– Nunca mais ouse falar uma coisa dessas na minha frente!
– Elas são muito sem graça!
– Escuta aqui, moleque! Não vou admitir um gordo dentro da minha casa!
– Minha irmã é lésbica e o senhor nunca criou caso com isso!
– Você está achando que eu sou algum tipo de monstro? Não vejo nenhum problema na sua irmã gostar de outras meninas! Hoje em dia, isso é muito natural! Além do mais, isso a deixa feliz, então eu também fico feliz! Agora, esse negócio de você querer ser gordo, isso não dá pra admitir! Não é normal!
– O senhor é um… gordófobo!
– Filho… Eu estou falando isso para o seu próprio bem… A sociedade vai te tratar mal…
– Estou me lixando pra sociedade! Eu quero ser feliz!
– Ninguém pode ser feliz gordo! Fora que você vai estar no grupo de risco de diabetes, problemas cardíacos, hipertensão…
– Pai… Eu vou ser gordo, mas vou me cuidar. Esse negócio de grupo de risco é um preconceito histórico, quando se achava que todo gordo ia necessariamente ficar doente. O senhor não precisa se preocupar…
– Escuta aqui, mocinho! Não me venha com esse discurso politicamente correto de comunista! Eu sei do que estou falando! Se você pensa que eu vou deixar você acabar com a sua vida, está muito enganado! Vou agora mesmo buscar um tratamento pra você!
– Tratamento?
– Isso mesmo! Um endocrinologista ou até uma cirurgia de redução de estômago!
– Mas eu nem estou barrigudo ainda…
– Uma cirurgia preventiva, oras! Vou te curar disso nem que tenha que te levar a alguma Igreja!
– Pai! Não adianta o senhor fazer nada! Eu sou gordo e ponto final! O senhor tem que aceitar ou eu vou sair de casa para sempre!
– Então pode ir embora! E nunca mais volte!
– Adeus!
– Filho ingrato! Ainda bem que foi embora! Agora posso finalmente tirar esse espartilho que está me matando! Como é duro manter as aparências!
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[…] Crônica originalmente publicada em 20 de novembro de 2012 no Papo de Gordo. […]