Publicado em 24 de outubro de 2016
Era o primeiro dia do motorista. Ele ainda estava aprendendo como seguir o Waze ou o Google Maps e acabou errando o caminho em um dado momento, mas isso não importa agora.
Ele virou motorista da Uber depois de passar dois meses procurando emprego sem conseguir nada. Antes disso ele estava morando na cidade de Aveiro, em Portugal, onde jogava futebol na terceira (ou talvez quarta) divisão.
Voltou para o Brasil porque está contundido e precisa fazer uma cirurgia, mas como seu clube é muito pequeno, eles não têm plano de saúde pros jogadores.
Antes de se mudar pra Portugal ele estava morando em Curitiba e trabalhando como gerente num buffet de festas infantis. Havia largado o futebol depois de passagens pelo Santo André e pelo Avaí porque achava que esse negócio de ser jogador não ia dar futuro.
Resolveu voltar a jogar depois de muita insistência dos amigos curitibanos e com a “ajuda” de um agente que o levou pra fazer testes no futebol português. O cara tinha prometido que ele ia jogar em times da primeira ou segunda divisão, mas chegando lá descobriu que fora enganado.
Como estar jogando no futebol europeu é melhor que no Brasil, ele ficou assim mesmo. Segundo me disse, os times menores pagam pouco, mas dão casa, comida e arrumam um emprego pra você trabalhar durante o dia (os treinos são sempre à noite) e reforçar a renda.
O mesmo agente que o levou pra Portugal fez o mesmo com dezenas de outros garotos, só que pra alguns deles a história foi mais sinistra. O cara cobrava dos jogadores 500 euros pra cobrir os custos de moradia e alimentação durante o mês de testes que todos deveriam passar. Além disso, cada um pagava a sua própria passagem até Portugal.
O agente deu o golpe e fugiu com o dinheiro todo deixando 25 garotos sem ter onde morar ou o que comer. Na época em que isso aconteceu o meu motorista da Uber já estava jogando em um clube e ajudou alguns dos meninos levando eles pra que o presidente do time os conhecesse. Quatro foram contratados, os demais passaram maus bocados e alguns até acabaram morando na rua.
Em sua época de jogador ele enfrentou preconceito na cidade. Quando o time ganhava, o mérito era da equipe, mas quando perdia era culpa dos brasileiros. Os jogadores se dividiam em grupos também. Os africanos não andavam com os europeus porque não gostavam de brancos. Os europeus não andavam com os brasileiros porque não gostavam de latinos. E os brasileiros andavam com os brasileiros porque é isso que os brasileiros fazem.
Além disso tudo, ainda conversamos sobre a contusão e a cirurgia que ele precisa fazer, bem como sobre essa volta pra São Paulo criando um paralelo com a minha história, já que me mudei pra cá há quatro anos. A corrida durou meia hora e o nosso papo foi tão maluco e divertido que, mesmo tendo errado o caminho, eu ainda dei 5 estrelas pro motorista.
Deixe uma resposta