Carta aberta ao meu eu do passado

Gordo Convidado
@papodegordo

Publicado em 19 de julho de 2012

Fala pequeno garoto,

Você não me conhece ainda, mas com certeza um dia vai conhecer. Digamos que eu seja sua versão melhorada. É difícil explicar o motivo dessa carta e como eu posso falar tudo isso sobre você com tanta propriedade. Aceite, acredite e vá em frente de acordo com o que estou falando.

Quer que eu prove que eu sei bem quem você é? Pois bem, ano passado você jurou para seu amigo imaginário ser apaixonado por aquela professora de português. Assustou? Piora! Você não chega cedo no colégio só por chegar, ao contrário do que todos pensam. Acredita agora? Então simplesmente aceite o que vou falar.

Quanto a essas suas camisetas. Pare agora, por favor. Você não vai ser mais legal só por andar com camiseta de banda. Tire também essa corrente e essa pulseira com pequenos spikes. Por mais que eles sejam pequenos, ainda assim são spikes. Em mais ou menos cinco anos você vai achar isso muito brega. Faça assim: escute heavy metal, comente disso com os amigos, pode continuar comprando revistas que entrevistam membros de bandas de rock, mas não precisa parecer um enviado do inferno. Sério. Você vai pensar: “ah, mas eu não bebo, eu não fumo, não uso drogas, qual o problema em me vestir assim”. Meu amigo, escute: PARE! Só isso. Pare!

De resto, continue fazendo exatamente o mesmo. Quando sua mãe der dinheiro para a merenda, pode guardar pra comprar quadrinhos. Tente comprar menos Homem-Aranha, essa série que você gastou tanto dinheiro não vai dar em nada. Compre mais Batman e mais histórias com começo, meio e fim mais bem definidos. Não precisa colecionar e catalogar todas as revistas perfeitamente como você faz, afinal, daqui sete anos você vai vender todas elas por um real cada.

Sabe o Game Boy que ganhou ano passado do seu pai? Seguinte, por mais que ele seja portátil, evita sair muito com ele, sobretudo no dia 22 de abril de 1998. Eu sei que você o deixa na mochila quase o tempo todo e o guarda envolto a um pano. Mesmo assim, algum f$ˆ%$#%ˆ@$ vai ser o novo dono de seu querido “brinquedo”.

Estude o tanto que estudou, mas se cobre menos. Sua mãe não é má. Sério. Ela aceita notas sete na boa, por mais que diga o contrário. Pega uma hora por dia que gastou em estudos e, sei lá, escreve mais um pouco daquele RPG que você só começou a rascunhar. Ele não vai servir de nada estando em pedaços e em papeis desconexos, garanto. Nem sei se vai servir para um propósito maior. Mas, quem sabe, não é?

Aos 17 anos uma pessoa vai chegar e dizer: “Não perca tempo escolhendo essa faculdade de História. Isso não presta”. Não responda, mas mantenha sua decisão inicial. Responder vai causar uma chateação muito grande e vai fazer você se mudar por uns dois meses para uma residência mais chata do que essa atual. Manter a decisão vai fazer você seguir um rumo muito bom. Agora, assim, nos primeiros semestres, se apegue menos à faculdade. Tire esse tempo para ler e estudar coisas novas. Interaja menos com certas pessoas. Fale menos. Sério, fale menos, por mais que esteja certo. Repito… cala essa boca!

Sabe esses três amigos que você considera Os Caras; os seus melhores? Sim, eles são mesmo. E assim serão por muito tempo. Evita outros que tentarem o ser. Esses outros não persistirão por mais de um ano.

Um dia um professor de matemática vai marcar um pré-teste com pouquíssimo tempo de estudo e você não vai concordar. Você decidirá matar aula pela primeira vez na sua vida. Essa será uma das melhores decisões já tomadas. Não por deixar de fazer uma prova onde a maioria tirou nota máxima de tão fácil que estava. Não é isso. Vá ao mesmo shopping e passe mais ou menos duas horas entediantes sentado esperando que ele abra. Isso mudará o resto do dia e ele será bom. Muito bom.

Continue reservando as sextas-feira para o cinema, por mais que não tenha nenhuma estreia relevante. Nunca deixe de alugar as quinze fitas de filme durante as férias. Na verdade, quinze é muito pouco. Alugue mais.

Eu sei que você gosta de sentar no final da sala de aula e ler quadrinhos dentro dos livros “oficiais” da disciplina. Não seja rebelde. Por mais que seja uma decisão forte a de expor os quadrinhos sem a proteção do livro, ela é uma decisão errada. Ir embora mais cedo não será legal no dia dessa decisão tola. Justamente naquele dia? Seu burro…

Uma coisa só, e isso vai ser complicado de aceitar. No dia 5 de julho de 2003 esteja em casa por volta das 19h. Aquele recado que você recebeu por telefone vai ser melhor ao vivo. Menos doloroso. Se possível, no dia 4 de julho do mesmo ano passe mais tempo em casa também. Na verdade, é uma ordem, passa o dia todo em casa.

Mantenha essa formação de caráter. Por mais que digam o contrário, todas as horas jogando videogame, assistindo filmes e lendo de tudo um pouco vão servir de alguma coisa. Sua mãe não entende isso, mas no futuro ela vai valorizar muito esses momentos que ela mesma não aceitava tanto.

Acredite. Eu sei!

Raphael “PH” Santos é um cinéfilo de carteirinha. Fez cursos de cinema, mas acha que o melhor aprendizado está em ver filmes sempre que puder. Apresenta o vlog Iradex.net semanalmente falando sobre cinema, games, quadrinhos e a vida!

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15 respostas para “Carta aberta ao meu eu do passado”

  1. @_Lan disse:

    Simplesmente sensacional, não tem mta coisa qque dizer mais, ficou show.

    Acho que vale fazer uma versão em audio pro proximo PDG, na parte da leitura de email. Tipo um audio book ehehh

  2. Flávia Santos disse:

    Foda PH.
    De verdade, muito foda!

  3. Mi disse:

    chorei litros… buáááá

  4. Priscila Silva disse:

    Muito bom!
    Me fez lembrar de muita coisa que aconteceu na minha vida, que eu ficava imaginando que alguém do futuro deveria ter me alertado…rs

  5. Mais alguem leu isso tentando imitar a voz do PH Santos? HAHAHAH

  6. […] o começo da carta. Para o resto, acesse o Papo de Gordo. Fala pequeno […]

  7. Rafa disse:

    Excelente, PH. Me inspirou a fazer o mesmo, e a incentivar meu filhote a fazer o inverso (uma carta para o seu eu mais velho).

  8. Dionelson disse:

    Caraca PH, além de me fazer chorar de emoção, me fez repensar certos conceitos de tudo aquilo que já passei… De coração mesmo: OBRIGADO!

  9. Felipe R. disse:

    Impressionante como algo tão pessoal de alguém é capaz de tocar e comover um desconhecido. Impressionante como as vidas que levamos e pensamos ser únicas, em certos aspectos compartilham de unicidades com vidas alheias. Impressionante como as vezes ocorre uma viagem astrotemporal-endogenogalática e toda a nossa vida vem de uma solapada só. Tantos momentos, tanto a se mudar, tanto a se aproveitar. Obrigado por isso PH.

  10. […] do podcast do Papo de Gordo « Quando chocolate vira música para os seus ouvidosCarta aberta ao meu eu do passado » (function(d, s, id) { var js, fjs = d.getElementsByTagName(s)[0]; if (d.getElementById(id)) […]

  11. […] o começo da carta. Para o resto, acesse o Papo de Gordo. Fala pequeno […]

  12. […] A partir do lançamento do À Sombra do Sobre, começarei a publicar um novo estilo de texto aqui mesmo. No caso, será o Cartas Abertas. Algo semelhante ou igual ao que escrevi aqui. […]

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